
A crise financeira que assola a Europa fez com que os governos do continente
passassem a discutir com mais urgência um tema que costumava ser relegado ao
segundo plano: a necessidade de um modelo de contabilidade pública mais
transparente e internacionalmente aceito.
Atualmente, os 27 países da
União Europeia possuem métodos contábeis bastante diferentes. Mas, com a
economia do grupo abalada, um estudo em curso pela Eurostat, a agência de
estatísticas do bloco, está avaliando essas diferenças para que um padrão seja
adotado.
Em entrevista ao Valor, o líder global da área de contabilidade
do setor público da firma de contabilidade Ernst & Young, Thomas
Müeller-Marqués Berger, que ajuda a conduzir o estudo, disse que os políticos
europeus estão mais dispostos a ouvir os argumentos dessa discussão. "Na
Alemanha, por exemplo, as pessoas perguntam por que o governo está financiando a
Grécia, a Espanha. Querem saber o que está sendo feito com o dinheiro delas.
Isso realmente reforça o debate sobre transparência na contabilidade pública",
afirmou.
Berger explica que o estudo da Eurostat avalia as diferenças na
contabilidade em vigor nos países do bloco em relação às Normas Internacionais
de Contabilidade para o Setor Público (ou Ipsas, na sigla em inglês). Essas
normas são emitidas pela Federação Internacional de Auditores (Ifac) e visam
estabelecer um padrão internacionalmente aceito para a contabilidade pública,
semelhante ao que já ocorre no setor privado com o IFRS (International
Financial Reporting Standards).
As Ipsas se baseiam na adoção da
contabilidade por regime de competência que, na avaliação do Ifac, facilita o
acompanhamento das obrigações e da dívida dos governos, sendo mais eficaz em
expor implicações econômicas.
"Regime de caixa não será a base no
futuro. Então será necessário mudar. Se para as Ipsas ou algo parecido, ainda
não sabemos, mas certamente está indo nessa direção", disse Berger, sobre o
andamento do estudo da Eurostat.
O líder global da Ernst & Young
esteve no Brasil para o um congresso regional sobre contabilidade pública, em
Santa Catarina. Esse tipo de encontro ficou mais frequente no país, que está em
processo de convergência às Ipsas.
"O objetivo é discutir as normas com
os atores da adequação", diz Luiz Mário Vieira, membro do Conselho Federal de
Contabilidade (CFC), outro palestrante do evento do qual Berger participou.
Mas o coordenador geral de Normas de Contabilidade aplicadas à Federação
do Tesouro Nacional, Paulo Henrique Feijó, reconhece que o processo de
convergência é complicado. "O setor público é sempre mais complexo para mudar
uma cultura", afirmou. O cronograma inicial, que previa a implementação das
novas normas de contabilidade para Estados e União em 2012, sofrerá atrasos.
"Não queremos convergência da boca para fora", diz Feijó.
Estava
prevista para hoje a divulgação pelo Tesouro do Balanço do Setor Público
Nacional (BSPN), referente ao ano de 2011. A demonstração consolida os
resultados contábeis de todas as entidades do setor público. No ano passado,
quando foi divulgado pela primeira vez, o BSPN contou com dados de 4.949
municípios brasileiros.
No balanço deste ano, os anexos explicativos
trarão o resultado de uma pesquisa de "maturidade da gestão contábil" feita com
entes da Federação, com o objetivo de qualificar as notas do balanço e fazer um
"diagnóstico" dos municípios.
Paulo Henrique Feijó antecipa que o nível
de maturidade da gestão contábil no Brasil é baixo. "Tem um viés muito
orçamentário, não olha o aspecto patrimonial. Apenas o que entra e sai. É [uma
gestão contábil] meio míope", conclui
Fonte: Valor Econômico (29.6.2012)